Ao Que Você Resiste, Persiste: A Psicologia de Carl Jung
- Sensei Aline Keny

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Ao Que Você Resiste, Persiste:
A Psicologia de Carl Jung
Quantas vezes tentamos ignorar sentimentos, pensamentos ou experiências internas que nos incomodam, acreditando que, ao resistir a eles, desaparecerão? A sensação de desconforto ou medo nos leva, mesmo que de modo inconsciente, a criar estratégias de fuga, negação ou repressão. No entanto, a psicologia nos mostra que o que resistimos persiste.
Essa ideia, frequentemente atribuída a Carl Gustav Jung, embora não esteja registrada literalmente em suas obras, é uma síntese poderosa de um dos princípios centrais do seu trabalho: aquilo que permanece inconsciente continua a exercer influência sobre a nossa vida, moldando decisões, comportamentos e padrões emocionais de forma invisível.
A Consciência e o Inconsciente
Jung afirmava: “Até você tornar o inconsciente consciente, ele dirigirá a sua vida e você o chamará de destino.” (Aion: Pesquisas sobre o simbolismo do Si-mesmo, 1951)
Essa frase revela algo essencial: resistir a sentimentos ou experiências internas não elimina sua presença. Pelo contrário, quanto mais tentamos ignorá-los ou reprimi-los, mais eles se manifestam, de formas inesperadas e frequentemente de maneira ampliada ou distorcida.
O inconsciente, segundo Jung, é como um vasto oceano de conteúdos psíquicos que permanecem fora da nossa percepção consciente. Quando não olhamos para essas águas profundas, os conteúdos reprimidos (traumas, medos, raiva, tristeza, e tudo o mais que foi mal “digerido”) continuam a agir silenciosamente, influenciando nossas escolhas e nosso comportamento.
Exemplos Práticos do Cotidiano
Imagine alguém que sente ansiedade intensa ao falar em público. Para tentar controlá-la, essa pessoa decide ignorar a sensação, dizendo a si mesma: “Não posso sentir isso, preciso me acalmar!” ou “Se eu não pensar nisso, vai passar.”
O que ocorre frequentemente é que a ansiedade se intensifica. O corpo entra em estado de alerta, a mente se enche de pensamentos repetitivos e negativos, e a tensão se manifesta em comportamentos e sinais físicos (respiração curta, mãos suadas, batimentos acelerados). Quanto mais se resiste, mais forte a ansiedade se torna. É como tentar empurrar uma bola para debaixo da água: quanto mais força você faz, maior é a pressão até que, eventualmente, ela explode à superfície.
Por outro lado, ao reconhecer e acolher o sentimento, permitindo-se senti-lo sem julgamento, a pessoa passa a observar a ansiedade, compreender sua origem e gradualmente integrá-la. Esse processo não significa sucumbir ao medo; significa tomar consciência da experiência e reduzir seu poder de controle sobre nossas ações.
Pense em alguém que busca constantemente conforto na comida diante de frustrações emocionais. Quando algo incomoda, surge uma urgência em comer doces, massas ou alimentos muito calóricos, acreditando que isso trará alívio. Por alguns instantes, há uma sensação de prazer e calma, porém logo vêm a culpa e a insatisfação. Esse ciclo se repete, pois o alimento está sendo usado como anestésico para emoções que não foram reconhecidas. Para quebrar esse padrão, é preciso observar o impulso com curiosidade, em vez de reprimi-lo, e perguntar a si mesmo: “O que estou tentando evitar sentir agora?” ou “Que necessidade emocional estou tentando preencher com a comida?” abre espaço para a consciência. Ao nomear o sentimento e acolhê-lo, a compulsão perde força, e o alimento volta a ocupar seu lugar natural de nutrição, e deixa de ser um refúgio emocional.
Outro exemplo ocorre na dependência de inúmeras substâncias, como álcool, cigarro ou outras drogas lícitas e ilícitas. A pessoa sente um vazio interno, uma dor profunda, angústia, tristeza ou uma sensação de desconexão com a vida, que tenta silenciar e sufocar através do que “vem de fora”. No início, o alívio é imediato, contudo logo surgem a dependência, o cansaço, a autocrítica, o sentimento de culpa e autopunição, e a sensação de estar presa a um ciclo que não controla totalmente. Para modificar esse padrão, o primeiro passo é reconhecer que a substância não é o problema em si, e sim um sintoma. Acolher o desconforto sem julgamento (e autojulgamento) e buscar compreender o que ele quer comunicar é essencial. Terapias Integrativas, Práticas de Meditação, Acompanhamento Psicológico e Práticas Espirituais podem auxiliar na reeducação mental e emocional, permitindo que a pessoa encontre novas formas de lidar com a dor, a solidão, a tristeza, a agitação e o medo.
Esses exemplos mostram que todo padrão de fuga nasce da tentativa de evitar o sentir. E que a verdadeira transformação acontece quando o indivíduo, com coragem, autoamor e gentileza, escolhe olhar para dentro e dar um novo significado ao que antes era evitado.
A Sombra e a Integração
Um dos conceitos mais profundos de Jung é o da sombra, a parte reprimida ou negada da personalidade. Tudo aquilo que rejeitamos ou negamos em nós mesmos continua a existir dentro do inconsciente e pode se manifestar de formas inesperadas, muitas vezes em momentos de estresse ou de relações interpessoais.
Quando resistimos a nossas sombras, elas persistem, influenciando nossos comportamentos de maneiras sutis ou dramáticas. Quando optamos por observar, reconhecer e integrar essas partes, abrimos espaço para crescimento emocional e autoconhecimento. A resistência se transforma em consciência, e a energia que antes alimentava padrões de autossabotagem passa a ser utilizada de forma construtiva.
A Importância da Aceitação Consciente
A abordagem junguiana propõe que a aceitação consciente é a chave para a transformação interna. Em vez de lutar contra emoções e pensamentos indesejados, devemos acolhê-los com curiosidade e compaixão. Isso não apenas reduz o sofrimento, como também nos permite compreender por que certos padrões se repetem e como podemos responder a eles de forma mais equilibrada.
A resistência gera conflito interno e aumenta o poder do que tentamos evitar. A aceitação, por outro lado, promove integração, equilíbrio e liberdade emocional. É um convite para tomar o volante da própria vida, em vez de deixar que forças inconscientes nos guiem.
Conclusão
“Ao que você resiste, persiste” não é apenas um alerta psicológico, este termo vai além, segue como um convite à consciência e à coragem interior. Jung nos mostra que o caminho para a maturidade emocional e espiritual passa pelo reconhecimento do inconsciente, pela integração da sombra e pela aceitação dos conteúdos internos que mais nos assustam. Quando aprendemos a enxergar e acolher nossa própria psique, aquilo que antes nos dominava perde força e pode ser transformado em aprendizado, autoconhecimento e liberdade. Resistir não resolve; observar, aceitar e integrar transforma.
Referências Bibliográficas:
Jung, C.G. (1951). Aion: Pesquisas sobre o simbolismo do Si-mesmo. Obras Completas, Vol. 9/2.
Shamdasani, S. (2003). Jung and the Making of Modern Psychology. Cambridge University Press.









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